Introdução
Hoje vamos falar de organização,
no contexto empresarial – industrial, por ser esta uma das nossas experiências.
Organização, foi algo que sempre
nos preocupou ao longo da nossa vida profissional, a partir dos ensinamentos colhidos do professor da "cadeira " de Organização Industrial, o Prof. Dr. Francisco António Chaves Brilhante .
Sentimos, nos primeiros anos da
nossa vida profissional um grande conflito, entre o que nos tinham ensinado e a
prática que do observávamos. Mas ao fim de uma dezena de anos tivemos a oportunidade de ingressar numa
multinacional Americana e então constatar, que na realidade ali, o tal conflito
não existia.
É certo que até fins da década de
70 do século XX os modelos práticos, eram essencialmente inspirados no Taylorismo
e no Fordismo, com retoques mais
ou menos inovadores de humanização do trabalho, muitas vezes como técnica de se
conseguirem ganhos de produtividade, mas também é certo que foi essa mesma humanização do trabalho que vinha inspirando os autores do modelo Sócio Técnico,
desde os anos 50, que acabou por influenciar as várias sociedades industriais do norte da Europa
aos Estados Unidos. É sobre isto que vamos falar.
STS - Social Technical
System
O QUE É
É um sistema organizacional, que
coloca o foco de organização na inter - relação entre os sub-sistemas social e técnico, que constituem
qualquer organização, que por sua vez está em permanente contacto com o meio
envolvente, no qual actua,
ORIGENS
O sistema sócio técnico, tem as
suas origens, nos estudos
iniciados em 1949 pelo instituto Tavistock de Londres, como
consequência da necessidade
de refazer o processo
produtivo inglês, destruído durante a segunda guerra mundial , com práticas de
trabalho e organização que fossem
inovadoras , que não exigissem
grandes investimento de capital ( ...que era escasso, como acontece actualmente em Portugal !... ) e que permitissem
aumentos significativos de produtividade.
Porque, na época, o carvão era
uma fonte de energia estratégica, para a Inglaterra, a necessidade de aumentar
a produtividade nas minas levou a
administração do sector ( nacionalizado ), a solicitar
ao Instituto Tovistock a
sua intervenção neste sector, dado não serem evidentes os ganhos de
produtividade
resultantes do
esforço investimento realizado na mecanização dos
processos, o absentismo era elevado, da ordem dos 20 %, e os conflitos laborais frequentes.
Os primeiro trabalho do Instituto
Tovistock, conduzidos por Eric
Trist, consistiram num estudo comparativo, sobre resultados existentes, entre duas minas . Uma com elevado
rendimento e alta motivação ( de onde o Instituto recrutou um dos seus
colaboradores – Ken Bamforth ) e
outra de baixo rendimento e
pessoal pouco motivado .
Após regressar de uma visita aos
seus antigos colegas, Ken relatou a E. Trist que algo de “ anormal “ havia acontecido nas
práticas de trabalho e organização, num determinado sector, no
interior daquela mina.
Aprofundando o assunto
verificaram que o responsável geral da mina, era o autor da concepção
técnica implementada, para a qual os trabalhadores com o apoio do sindicato , haviam
proposto arranjos de organização.
Para E. Trist e seu colaboradores
era evidente estarem na presença de algo novo na organização do trabalho, que consistia em grupos
relativamente autónomos, em que os seus elementos trocavam frequentemente de
posição e actuavam com um mínimo
de supervisão.
A colaboração entre os grupos era evidente,
bem como o empenho pessoal de cada um, o absentismo era baixo, os
acidentes raros e a produtividade elevada. O contraste com outras áreas da mina
era mais que evidente.
Questionados sobre os porquês da
inovação, os trabalhadores explicaram que se haviam limitado a repor os métodos
de trabalho tradicionais, em
pequenos grupos, anteriores à mecanização e às exigências dos
processos actuais, de uma tarefa um homem.
Por esta razão o livro de E.
Trist e seus colaboradores, publicado em 1963, sobre os estudos do Instituto Tavistock, nas minas, intitulado “ organizational Choise “
teve como sub-t´tulo “ A perda a redescoberta
e a transformação de
uma tradição de trabalho “ . Esta transformação representou uma mudança de direcção na concepção organizacional,
O modelo de desenvolvimento sócio económico, tecnológico
e industrial, nas décadas seguintes, apoiado por
uma procura superior à
oferta, por uma mão de obra abundante e barata,
matérias primas igualmente abundantes
, ( nomeadamente o petróleo ),
longos ciclos de vida dos
produtos, e clientes mais
preocupados com quantidade do que
com a qualidade dos produtos, vão acentuar a predominância do modelo Taylorista
/ Fordista e relegar para o campo das experiências a “ alternativa organizacional “ que havia nascido em “South Yorkshire – UK”
durante a década de 50 do século XX e que outro colaborador do Instituto
Tovistok – Fred Emery, chama de “
emergência de um novo paradigma do
trabalho”, que articula a interdependência das
necessidades
das pessoas ( sub sistema social ), com as
necessidades técnicas
da estrutura ( sub sistema técnico ), dando assim origem ao conceito SISTEMA SÓCIO- TÉCNICO.
Em termos descritivos, o
Instituto Tovistock definiu cada
um dos dois sub sistemas da seguinte forma:
Sub sistema social:
È composto pelas pessoas que trabalham na
organização, pelas suas relações
no trabalho, pelas suas expectativas e pelas suas atitudes para com a organização, pelas
competências existentes. Tudo isto deve ser tido em conta na concepção da
tecnologia e do conteúdo do trabalho.
Sub sistema técnico:
É constituído pelas instalações, pelo equipamento e
ainda pelos procedimentos e pelas informações utilizadas, devendo reconhecer-se os
efeitos de tudo isto no comportamento das
pessoas. Por exemplo: Se
aos operadores de uma empresa, não é facilitado o controlo do processo de produção, eles não
poderão sentir-se responsáveis
pelos resultados desse processo ,
A eficácia e a eficiência (
performance ) económicas e sociais de uma organização dependem do ajustamento
recíproco entre as exigências
do sub –sistema utilizado ( técnico ) e o
sub-sistema utilizador ( social ).
DESENVOLVIMENTO
Como dissemos em cima o
modelo de desenvolvimento sócio
económico entretanto emergente , nomeadamente na Inglaterra, acabou por prejudicar de forma
significativa a abordagem
sócio técnica, embora as
conclusões do Inst, Tavistock ,
fossem bem concludentes sobre a superioridade dos
resultados do trabalho dos grupos semi autónomos.
Convictos de que haviam descoberto algo de
novo e com os constrangimentos
colocados à abordagem sócio técnica, em Inglaterra, os consultores do Instituto Tovistock ( E. Trist , Fred. Emery e outros
), viram-se para outros países e outra
industrias, procurando assim validar o novo
paradigma organizacional – STS , a
partir de outras intervenções sobretudo de reorganização de empresas.
È assim, que em 1953 o Instituto faz a sua primeira intervenção numa
industria têxtil na Índia que igualmente fracassa porque os empresários locais
se recusaram a partilhar poder.
Entretanto o Instituto é
solicitado a realizar acções numa
fábrica de telefones na Suécia , numa empresa de telecomunicações da
Holanda e em várias empresas nos
EUA
Todavia só depois de 1962 , com as acções
realizadas na Noruega, é que a abordagem sócio técnica se afirma e desenvolve
graças ao projecto de democracia industrial, lançado nesse ano presideido por uma comissão nacional, constituída por representantes sindicais, patronais e governates e co a colaboração
de cientistas sociais cujo líder era Einar Thorsrud , na época director
do Instituto de investigação da
universidade técnica de Trondheim. Foram consultores do Instituto Tovistock,
neste projecto: E. Trist; Fred Emery e Phip Herbst.
Baseando-se na abordagem sócio
técnica a comissão escolheu,
para sua intervenção três sectores de importância estratégica para a economia da Noruega e que
na época se encontravam em crise: A industria do papel, industria metalomecânica e industria química. Entre 1963 e 1970 foram realizadas quatro acções de
reorganização ; Numa Fábrica de pasta de papel, numa fábrica de aquecedores
domésticos, numa trefilaria e numa
fábrica de adubos.
O sucesso desta intervenções , quer sob o ponto de vista
dos resultados económicos e sociais,
mas também pela aprendizagem que
proporcionaram na investigação - acção, foram decisivos para o capital científico da abordagem sócio técnica , que
consolida assim, na Noruega, as suas raízes conceptuais e metodológicas.
Na Noruega, as intervenções sócio
técnicas alargam – se as outras
empresas e sectores, quer de reorganização ( retrofit ), quer de concepção como foi o caso na marinha mercante, mas, nesta fase, não atingem dimensão nacional.
É na Suécia , no início dos anos
70, que as organizações patronais e
sindicais , atentas
às experiências desenvolvidas na Noruega, se vai dar uma difusão maciça da “
novas formas de organização do trabalho “.
Em 1973 já eram conhecidas mais de 1000 as intervenções de organização
sócio técnica .
Embora o STS, inicialmente, se tenha desenvolvido e difundido pelos
países nórdicos, EUA , Canadá, Alemanha, e muitos outros países, onde para alem de modelos mais ou
mais radicais, tem contribuído significativamente para a “ humanização do
trabalho “.
Na verdade a amplitude e o
carácter essencial da abordagem sócio técnica, ficaram, desde o início, bem expressas por E. Trist: “ Desde o início o conceito sócio
técnico desenvolveu-se em termos
de sistema porque está em relação
com as interdependências e
desenvolveu-se em termos de teoria
de sistema aberto, porque tem que ver com o meio envolvente no qual uma organização deve activamente manter-se em estado de equilíbrio
foi nos países escandinavos que se consolidou fornecendo o conteúdo para a “democracia industrial” Sueca, O caso da fábrica Volvo , em
Kalmar, tornou-se mesmo um “ case study “ devido à excelência dos seus resultados, bem como para a
democracia empresarial Norueguesa.
Especialista em STS, como
Bruce Gibbs e John Cotter,
acreditam que a tendência dos escandinavos para sistemas de compromisso, do qual a social democracia foi o
exemplo politico durante os tempos
da guerra fria, foram decisivos
para a implementação da abordagem
sócio técnica , que como nenhum
outro modelo , conhecido, tão bem exprime
a inter relação de
interesses de uma organização.
CONSOLIDAÇÃO
Para melhor entender a difusão conceito sócio
técnico, embora nem sempre aplicado
como tal, é importante regressarmos aos anos 80 do
século XX, onde por força da
enorme capacidade competitiva das empresas japonesas, o ocidente foi forçado a repensar os seu métodos
de trabalho . É nesta época que emergem
os conceitos de “Qualidade Total”,
“Lean Organization “ “TQMP- total quality management process “
e muitos outros com a
maioria das empresas ocidentais
tentam resolver os seu problemas de competitividade, mas onde os resultados são insuficiente. É a época também onde as multinacionais
ocidentais tentam copiar muitos do processos de trabalho Japoneses, quase sempre com sucesso duvidoso.
É , então em meados desta década, que emergem nos EUA especialistas em STS que alertam
para a necessidade das
empresas reverem os seus métodos de trabalho porque
a produtividade é o resultado de
uma inter relação entre
o cumprimento das expectativas
das pessoas e os recursos
disponíveis.
De entre os múltiplos exemplos de sucesso na
implementação do STS , a que o
novo paradigma sócio económico veio
forçar, vale a pena referir o caso da Ford, pela impacto que a sua decisão acabou por ter na implementação do STS em Portugal.
Preocupada com a sua capacidade
competitiva, a Ford, depois
de concluir que o seu “ Fordismo “
não respondia às novas necessidades, decidiu aderir de forma global ao STS , com duas variantes:
1. A partir de meados da década
de 80 , século XX, todas as novas fábricas , onde quer que fossem construídas,
deveria ser organizadas
segundo sistema sócio técnico.
2. Todas as fábricas existentes ,
onde quer que se encontrassem deveriam ser objecto de um “ retrofit
organizational “
Para implementar o Sistema, a
Ford seleccionou dois “ gurus
“ Bruce Gibbs para a divisão de
componentes e John Cotter para as
fabricas de produto.
O primeiro caso de componentes
foi a fabrica de Chiuhauha- México em 1986, seguindo-se as fabricas em Porto Santa Maria – Espanha 1988 e Palmela
1989. Como consultor e director da área de formação deste projecto tive a oportunidade de ser seleccionado para funcionar como “ Facilitador“ de Bruce Gibbs para a
implementação do Sistema na fábrica portuguesa. O processo demorou
cerca de 5 anos, desde uma primeira sessão, em Outubro de 1989, num
hotel do Estoril, ainda só com o “ Operation Comitte “, para esboço do MVGP-
Mission, Values and Guide Principles e prelongou-se com visitas regulares de Bruce Gibbs, de 6 em 6 meses, até a fabrica atingir praticamente o volume de pessoas previsto -1700.
No caso da Autoeuropa, dada a especificidade de ser uma joint venture , entre a Ford
e a VW, o STS não foi claramente
assumido, enquanto tal, mas toda a estrutura organizativa
inicial obedecia ao
conceito, inspirado na fábrica que
a Ford, na altura, possuía em Hermosillo no México. Tendo sido
inicialmente desenhado por A. Kivilaan( um consultor da Ford, recebeu outras
importantes contribuições de vários
especialistas , no conceito, nomeadamente John Cotter ( autor do modelo organizacional de
Hermosillo e da DDI .
International Dimensions e também
dos ensinamentos recolhidos
pelo sistema Kaizen .
Vinte anos depois, destas novas
experiencias organizacionais, levadas a efeito, em Portugal é interessante
verificar, que hoje, não há empresa, grande, média ou pequena, que não disponha do seu MVGP, é
certo que na maioria das vezes se trata de um “quadro “ para decorar uma
parede, mas está lá. Outra constatação é
o reconhecimento, generalizado, do sucesso
quer da Ford Electrónica Portuguesa ( Visteon ), quer da Autoeuropa. O
que tarda é a decisão dos
empresários portugueses em perceberem que numa época fortemente competitiva e com mercados em grande
turbulência, para sobreviver, é preciso empresas devidamente organizadas,
tecnologicamente equipadas e com recursos humanos qualificados, empenhados e
motivados. Empresas que dêem prioridade às duas dimensões
básicas de sucesso: As PESSOAS E A
TECNOLOGIA.